terça-feira, 20 de abril de 2010

Monólogo de Iago


Tenho ódio ao Mouro; e é pensamento corrente no exterior que entre meus lençóis ele já exerceu meu ofício.
Não sei se é verdade, contudo, eu, dada a mera suspeita desse tipo de ofensa, pretendo agir como se dele tivesse certeza.
Ele me tem em alta conta; tanto melhor para que meu objetivo contra ele seja atingido.
Cassio é um homem decente.
Agora, deixa-me ver: pegar o lugar dele e coroar minha vontade com dupla patifaria.
Mas, como? Como?
Vejamos: após algum tempo, maltratar os ouvidos de Otelo, sugerindo que Cassio é por demais íntimo de sua mulher,
que ele tem uma figura e uma disposição meiga suspeitáveis... moldado para fazer das mulheres pessoas falsas.
O Mouro é de natureza aberta e generosa: acredita ser honesto todo homem com aparência de honesto, e deixa-se levar docilmente pelo nariz, assim como o são os asnos.
Está concebido! Foi gerado!
O inferno e o breu da noite deverão dar à luz do mundo esse monstro.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Lição de casa. Conexões 2010.

Este era o tema para um monológo: segurança, reclusão, solidão.

Ator: É bem chato ficar dentro do bar sozinho enquanto todos seus amigos, todos fumantes saem pra puxar um cigarro. Isso acontece umas cinco vezes durante a noite.

Se essa tal lei não existisse pelo menos não sairiam da cadeira, ficariam lá, numa boa, ouvindo o cara no Karaokê, olhando pra bunda da garçonete e fazendo pose esbaforindo a fumaça.

Eu não gosto deles. Já me disseram que de todas as pessoas que você conhece, apenas duas ou três serão realmente os amigos pelos quais você mataria.

Minha carreira de assassino está fadada ao fracasso, pois hoje percebo que nenhum deles chega perto de ocupar esta vaga.

Por outro lado ficar em casa num sábado a noite faz com que eu entre numa crise ferrada.

Por muito tempo fiquei idealizando o que seria legal num amigo, assim, do jeito que eu preciso. Conseguia visualizar ele, as coisas que gostava, como se vestia, o que fazia para se divertir. Depois fiquei pensando que tecnicamente “idealizar” é tipo ter uma idéia, e se é uma idéia, está na sua mente, e se na sua mente você tem tudo o que mais gosta em uma pessoa, logo, para facilitar as coisas, cheguei à conclusão de que a melhor companhia para mim sou eu mesmo.

Durante muito tempo aprendi a me divertir comigo, não era triste ir ao cinema sozinho por exemplo.

Mas com o tempo a gente descobre que ninguém é auto-suficiente, e naquela lanchonete descobri que o que faltava não era mais açúcar no meu suco, faltava alguém na cadeira da frente.

Por isso passei a me esforçar quando o assunto é me socializar com as pessoas.

Ei, fofa! Tudo bem? Olha fiquei pensando esse final de semana num jeito de ficar tão magro quanto você! E adivinha? Magro deste jeito é impossível! Há há há há há!

João? Cara há quanto tempo! Sábado. Pizza. Falou? Chamei aquele anjinho que tu tá afim moleque! Quero te ver lá hein?

Viu? Não é tão difícil, se você for mais atento, sempre vai descobrir o que aquela pessoa precisa e acho que sou bom nisso. Pelo menos eles gostam.

Esse meu dom deve ser tão raro que até hoje não me apareceu ninguém que oferecesse aquilo que eu preciso.

Pausa.

Ontem quando eu estava voltando para casa, o metrô tinha acabado de abrir e foi estranho quando o trem chegou e só tinha eu para entrar. Na próxima estação entrou uma mulher de vermelho e se sentou. Ela desceu na estação seguinte, e um homem careca entrou em seu lugar, ficou até as duas estações à frente. Isso se repetiu durante toda a viagem e foi quando eu percebi que embora aquelas pessoas estivessem presentes por alguns minutos eu continuava sozinho e me sentiria assim mesmo se o vagão estivesse lotado. Só as estações mudaram nada mudou para mim. Nada mudou quando chegou o final do filme de domingo passado, quando me passou pela cabeça “poxa, fulano iria adorar esta cena”, nada mudou na peça de final de ano da escola, com todos os pais, de todos os colegas, enquanto os meus trabalhavam. Nada mudou enquanto estou aqui, sozinho, no palco. Com esperança de um lado e o vazio do outro.