quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A sorte não veste azul








As manhãs nunca eram muito diferentes uma das outras naquela rua.


A senhora vestindo azul começa sua rotina antes que o sol se tornasse insuportável durante a tarde. Caminha ao ponto de ônibus, e como estátua de jardim espera tal veículo chegar.

Passara com sua bolsa repleta das bagunças do dia-a-dia e como sempre não desejara os cumprimentos matutinos aos moços da padaria, como faziam todos os moradores do bairro mais atípico daquela cidade caótica.


Tinha pressa. Não no corpo. Dentro dele.


Sabia que como sempre acordara pouco depois de ser tarde demais e tinha consciência que havia passado um pouco dos limites.


Perderia o emprego, disso ela ainda não sabia agora, mas vocês sabem.


No fundo era o que ela mais queria. Adulta como já estava, sempre vivera à base do acaso.


Impedida de seus sonhos acostumou-se com a vida incômoda e infeliz até que fosse tarde demais para começar qualquer outra coisa além de cuidar de uma banquinha ilegal de jogo-do-bicho.


“Venda perfumes Denise!”

“Não me agradam os cheiros.”

“Venda óculos então!”

“Me agrada menos o que se faz enxergar.”

“E amor? Que tal vender amor? Venda amor Denise!”

“Isso não tenho. Nem a mim, nem aos outros e isso não exclui você.”

“Ví que precisam de alguém que venda a sorte. Vende-se a sorte ali na banquinha do centro.”

“Vender a sorte? Parece-me ideal vender aquilo que pouco tenho e que tantos precisam. Como faço?”


Bastou aparecer por lá. Denise lia e escrevia, não era feia, nem bonita.


Como havia puxado o jeito primitivo do pai e um pouco da fraqueza da mãe, tinha tudo o que era necessário para lidar com a gente que ali passava durante a semana.


“Está atrasada.”

“Eu sei.”

“Tá me achando com cara de palhaço?”

“Não.”

“Tá achando sim.”

“Não. Não estou.”

“Então você deve ser a palhaça.”

“Sim. Devo ser.”

“Então é uma palhaça muito ruim, pois eu não estou rindo.”

“Devo ser mesmo ruim.”

“Procure um lugar onde isto lhe sirva bem. Que tal a rua?”


Comeu pouco aquele dia, sem emprego, sem muito dinheiro, contentou-se com uma porção de pão de queijo no terminal de ônibus e mesmo de barriga um pouco mais cheia, não decidira ainda se voltava pra casa ou não.


Não se vende a sorte. Nem se pode contar com ela. A sorte não veste azul.

Nenhum comentário:

Postar um comentário